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Jonathan Safran FOER. Comer Animais. Rocco, 319 páginas.

A obra do famoso escritor estadunidense Jonathan S. Foer, Comer Animais, foi publicada originalmente em 2009. Dividida em oito capítulos, essa é a obra que todo leitor interessado em saber como pensa um bem-estarista deve ler. Já na orelha da obra lemos que o escritor oscilou entre o “vegetarianismo sazonal” e uma dieta onívora e, que após se tornar pai buscou uma dieta mais humana. Comer Animais não é uma obra que vai lhe persuadir a não comer animais, muito pelo contrário, é um tratado de como comer animais.

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O autor inicia sua obra “Contando Historias”. Lembranças de como era a gastronomia familiar aos cuidados da avó. Passando pela árvore genealógica da família até chegar ao motivo que o levou a escrever o livro: o filho que estava para nascer. A partir do título do livro, Foer diz que sua obra não é uma defesa do vegetarianismo. Para o autor os estudos técnicos sobre o a fisiologia da dor nos animais é de somenos importância, o que importa mesmo é colocar essa dor em historias e contá-las ao mundo. Somos feitos de historias.

No segundo capítulo, “tudo ou nada ou alguma outra coisa”, temos a uma justificativa para comer carne de cão acompanhada de uma receita de “cachorro ensopado” das Filipinas. Foer apresenta com interessantes reflexões morais nossa maneira de se relacionar com cães e com os peixes, uns para estima outros para comer. Nossa relação com os peixes é definida pela palavra “Guerra”. E a guerra contra todos os animais que consumimos tem nome: criação industrial. O autor descreve a insana pesca de arrasto, as milhares de mortes provocadas para a captura de uma ou duas espécies e a devastação ambiental em nível global.

Já no terceiro capítulo, Foer fala do “significado das palavras”. Começa pelo “ambientalismo” e aponta a pecuária como o responsável número um do aquecimento global e diz que quem se alimenta de animais não pode se intitular ambientalista. Não há coerência em defender o meio ambiente e continuar a impactá-lo comendo animais. o conceito de “cage-free”, ou seja, “criados soltos”, utilizado na produção de carnes de galinhas e falso. As galinhas são confinadas em galpões, mas levam o título de “cage-free”.

De modo sucinto temos o que é animal, antropocentrismo, antropomorfismo, barreira entre as espécies, animais caídos, captura acidental (da vida aquática), criações familiares de animais, criações industriais de animais, crueldade, desespero, estresse, frangos de corte e galinhas poedeiras, instinto, inteligência nos porcos, peixes e galinhas, abate humanitário kosher, carne ‘orgânica’.

E os humanos são definidos como “os únicos animais que têm filhos de propósito, mantêm contato (ou não mantêm), se preocupam com aniversários, perdem tempo, escovam os dentes, sentem-se nostálgicos, esfregam manchas, têm religiões, partidos políticos e leis, usam coisas de valor afetivo, pedem desculpas anos depois de uma ofensa, sussurram, têm medo de si mesmos, interpretam sonhos, escondem sua genitália, se barbeiam e depilam, enterram cápsulas temporais e optam por não comer alguma coisa por questões de consciência. As justificativas para comer animais e para não os comer são, com frequência, idênticas: nós não somos eles.”

Uma seção toda é dedicada à defesa da PETA. E ao falar do “processamento” dos animais para o abate, Foer faz uma afirmação no mínimo estranha: “…há de concordar com os ativistas veganos quando se trata de matar de forma humanitária”. Ao falar do termo “radical”, o autor diz que popularmente quem opta por não maltratar os animais e por diminuir o impacto ambiental é chamado de radical, e contraditoriamente, também é chamado de sentimentalista.

“O sentimentalismo é amplamente considerado frágil e fora da realidade. Com frequência, aqueles que demonstram preocupação, ou mesmo interesse, com as condições com que os animais das fazendas e granjas são criados são desconsiderados e rotulados de sentimentalistas. Mas vale a pena recuar um passo e perguntar quem é sentimentalista e quem é realista.” Daí Foer conclui o capítulo refletindo sobre a seguinte questão: “o que é sofrimento?”.

“Esconde-esconde” é o título do quarto capítulo. Foer inicia contando a historia de uma experiência que teve ao invadir uma fazenda industrial em plena madrugada com a ajuda de uma ativista. O autor descreve que os galpões –sujos e abarrotados de excrementos dos animais – a sua frente parecem ter saído do filme Blade Runner. “Diante de mim estão o tipo de criação que produz cerca de 99% dos animais consumidos nos Estados Unidos”.

Manter escondido a realidade do sofrimento que os animais são submetidos é o motor que faz mover a crença de que tudo sempre foi assim. Não ver, ou não ter acesso à realidade deixa os indivíduos mais confortáveis diante das questões levantadas sobre a maneira como os animais são usados. O autor apresenta a historia do primeiro trabalhador na linha industrial de abate, e a primeira proprietária de uma criação industrial. E por fim, coloca a historia de Frank Reese, o último avicultor “sustentável”, “orgânico”, de perus. É um verdadeiro relato da senciência dos perus. Seus estados emocionais e suas relações sociais. Reese é o verdadeiro representante do bem-estarismo, crítico da produção industrial como o máximo da crueldade com os animais sencientes, mas a solução não está no não consumir os animais, está no consumir o da granja que não “maltrata-os”. A historia de Reese merece ser lida e relida.

No quinto capítulo, “Influenciável/Emudecer”, temos uma detalhada historia das pandemias. Foer indaga sobre a próxima que atingirá todo o planeta. Será uma influenza pandêmica oriunda do uso de “animais de criação”, em especial, as aves?

O autor irá nas próximas páginas descrever o que é uma granja e como são esses campos de concentração de aves: “Desnecessário dizer que as aves comprimidas, deformadas, drogadas e com estresse demais num lugar fechado, imundo e fora do de excrementos não vivem em situação muito saudável. Além das deformidades, danos aos olhos, cegueira, sangramento interno, infecção bacteriana dos ossos, vértebras deslocadas, patas e pescoços tortos, doenças respiratórias e sistema imunológico enfraquecido são problemas frequentes e duradouros em granjas industrias.” Tudo protegido por organizações de bem estar animal. Foer cita uma reportagem do jornalista Scott Bronstein e, que segundo Foer deveria ser leitura obrigatória para quem gosta de comer galinhas. O trecho de Scott a seguir é emblemático, mas não traz nenhuma novidade:

“A cada semana, milhões de galinhas com pus amarelo escorrendo, manchadas por fezes verdes, contaminadas por bactérias nocivas ou prejudiciais por infecções pulmonares e cardíacas, tumores cancerígenos ou problemas de pele são enviadas aos consumidores.”

O que Foer descreve não é excepcional, é a regra. São cinqüenta bilhões de aves em granjas industriais no mundo, por ano, e o número só aumenta. Isso leva a segunda resposta à pergunta inicial sobre a influenza pandêmica: “Não é possível rastrear todos os casos de doenças transmitidas por alimentos, mas, quando conhecemos a origem, ou “veiculo de transmissão”, em sua esmagadora maioria é um produto animal.”

Depois das aves, no sexto capítulo chamado “Pedaços do paraíso/montes de merda”, Foer irá passear pelas formas de criação e consumo de suínos e peixes. Começa por descrever um matadouro modelo, que segue as regras do bem-estarismo para os abates “humanitários”. Segundo as pesquisas do autor, a industria está modificando geneticamente os porcos de uma tal maneira que estão criando animais que sofrem mais as condições de confinamento.

O objetivo do capítulo é descrever o que se passa nas horrendas criações intensivas industriais e o contraste com as criações “responsáveis” com o meio ambiente que se preocupam com o “bem estar dos animais”. Do mesmo modo que é assustador as descrições das fazendas industriais, é também as descrições empolgadas e apologéticas que Foer faz das “free-range-pigs”, ou como ele chama, criações “humanitárias”: “Há sofrimento, mas há mais vida rotineira e até momentos do que parece ser pura alegria suína”.

Quanto à aquicultura, como uma criação intensiva de animais marinhos, Foer define como “granja industrial debaixo d’água”. Tendo as mesmas características que as de criação de aves, suínos e bovinos. Assim como fez com as aves e suínos, Foer, depois de descrever os métodos de tortura, defende que a melhor coisa a se fazer é um tratamento “humanitário”, e no caso aqui, um “abate humanitário de peixes”.

No penúltimo capítulo, “O que eu faço”, o autor inicia contando o caso do casal de fazendeiros, Bill e Nicolette. Nicolette é apresentada como uma pecuarista vegetariana. Na verdade, Nicolette não come carne bovina, o que não a torna vegetariana. Ela também é critica da produção industrial e defensora da criação extensiva, com método “humanitário” de abate e dentro das regras bem-estaristas de uso dos animais. Como todo argumento bem- estarista, nas páginas e mais páginas seguintes temos os argumentos antropocêntricos que legitimam o uso dos animais, como dizer que é algo natural e cultural.

Foer contrapõe a fala de Nicolette com a de Bruce Friedrich da PETA, como um defensor dos direitos animais. Friedrich coloca várias questões morais embutidas no ato de comer animais e questionará o bem-estarismo de Nicolette. A próxima seção do capítulo é dedicada a descrição de como se dá o processo de abate das vacas, para isso, o autor recorre aos defensores da “carne ética”, Eric Schlosser e Michael Pollan; a projetista de abatedouros, Temple Grandin, e a clássica pesquisa de Gail A. Einsnitz, “Slaughthouse”. Como nos outros capítulos até agora, depois de páginas descrevendo o horror e o absurdo que é a “vida” dos animais criados para serem comidos, Foer vem com uma seção defendendo abates “humanitários”, as poucas granjas e fazendas ambientalmente “sustentáveis” e praticantes do bem-estarismo, em especial a fazenda de Frank Reese.

Por três páginas Foer reproduz a fala de um representante do grupo Farm Forward, intitulado “sou um vegano que constrói matadouros”. O final do relato é assombroso até mesmo para o mais novo iniciado no veganismo: “A pequena vitória do cuidado sobre a calculadora é tudo de que você precisa para entender por que sou vegano hoje. E por que ajudo a construir matadouros. Não é paradoxal nem irônico. O mesmo exato impulso que dita meu compromisso pessoal em evitar carne, ovos e laticínios me levou a devotar meu tempo à criação de um abatedouro de que Frank fosse o proprietário e que pudesse servir de modelo para outros. Se não pode derrotá-los, junte-se a eles? Não. É uma questão de identificar com propriedade quem são eles.”

Foer conclui o capítulo assumindo que sua abstenção de carne (o que ele chama de vegetarianismo, mas não o é) é sua oposição a produção industrial de animais. E defende que os proprietários de granjas e fazendas “humanitárias” deveriam ser consultados pelo presidente em assuntos do campo, e que suas fazendas devem ser reproduzidas pelos políticos eleitos e a economia do país deve apoiá-las. Foer acredita plenamente que é possível ser vegetariano e fazendeiro, vegano e construtor de matadouros e, ele pode ser não comedor de carnes e apoiador da pecuária “humanitária”.

“Se não nos é dada a opção de viver sem violência, nos é dada a escolha entre concentrar nossas refeições em torno da colheita ou do abate, do cultivo agrícola ou da guerra. Escolhemos o abate. Escolhemos a guerra. Essa é a versão mais correta de nossa historia do uso de animais para comer.”

Foer apresenta apenas duas possibilidades de escolha alimentar: com animais das fazendas industriais, que para ele é o inferno na Terra, ou comer das fazendas e granjas “humanitárias” e “ambientalmente sustentáveis”. Foer “esquece” que existe outra escolha, que é a única genuinamente ética: não comer animais sencientes.

E por fim, no último capítulo da obra, Foer retoma a temática dos eu primeiro capítulo: Contando Historias.

Retoma as lembranças das refeições na sua infância nas noites de Ação de Graças, pois sua obra está sendo concluída às vésperas do primeiro ano em que a Ação de Graças será comemorada na sua casa. E o dilema que vem a sua cabeça é sobre o que a família pensará se não tiver o tradicional peru à mesa. Mais e mais paginas são dedicadas a atacar a produção industrial de carnes, a partir dos relatos de crueldade por Einsnitz e Grandin. As torturas são deliberadas. Para falar do que vai para mesa americana, Foer faz uma afirmação no mínimo estranha: “A ética é uma nota promissória, não uma realidade. Qualquer defensor da carne ética vai comer um bocado de alimentos vegetarianos”. Ética não é uma realidade? Carne ética?

Contando historias, o que faz muito bem, Foer conclui sua obra condenando a produção industrial de animais. Após a leitura da obra, as questões centrais que surgem são:
– Como uma pessoa faz uma pesquisa tão ampla sobre o sofrimento animal, com detalhes de tortura e estupro, pontuando a senciência que nos iguala aos animais usados para fabricação de “comida”, pode continuar a defender o uso deles?

– Como uma pessoa faz uma pesquisa tão ampla sobre o impacto ambiental produzido pela produção de animais para consumo humano pode continuar a defender o uso desses animais?

– Como uma pessoa faz uma pesquisa tão ampla sobre as doenças provocadas no ser humano oriundas do consumo de proteína animalizada pode continuar a defender o uso desses animais?

A obra de Foer é interessante pela riqueza de detalhes sobre o sofrimento animal, pelos dados impactantes sobre meio ambiente e a saúde humana. Porém a obra deve ser lida com a ressalva de que é uma apologia ao bem-estarismo. Apesar de todo o conhecimento que Foer apresenta na obra, em momento algum temos a defesa da abolição da escravidão animal. Ele defende abertamente o bem-estarismo e a legitimação da escravidão e da morte.