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O vegetarianismo é, por definição, a corrente dietética que estipula a alimentação exclusivamente vegetal, com abstenção de todos os produtos de origem animal. Por conseguinte, qualquer pessoa que consuma carne de mamíferos, de aves, de répteis, de anfíbios, de peixes ou de invertebrados, seus ovos, leite, mel, gelatina, cochonilha ou qualquer outro produto de origem animal não pode ser considerada vegetariana.

Há, no entanto, uma confusão em relação ao que seja o vegetarianismo, sendo que muitas vezes pessoas que consomem produtos de origem animal consideram pertencer a alguma categoria de vegetarianismo. Por exemplo, pessoas que consomem carne de vez em quando dizem ser semi-vegetarianas, e as que consomem ovos e leite podem se considerar ovo-lacto vegetarianas, no entanto, o próprio consumo de produtos de origem animal contraria a ideia de que essas pessoas realmente sejam vegetarianas.

Origem da confusão de termos
Embora a Vegetarian Society do Reino Unido afirme que Joseph Brotherton criou o termo “vegetarian” a partir do radical latino “vegetus” (vigoroso, robusto) , em 1847, é fato que o termo já era utilizado em épocas anteriores. O dicionário Oxford contém referências ao termo “vegetarian” anteriores a 1847.

  • 1839 – “Se eu tivesse que cozinhar, inevitavelmente me tornaria vegetariano.” (F. A. Kemble, Jrnl. Residence on Georgian Plantation (1863) 251)
  • 1842 – “Dizer a um vegetariano saudável que sua dieta é bastante antipática com os desejos de sua natureza.” (Healthian, Apr. 34)

Está claro que o termo originalmente se referia àquelas pessoas que se propunham a viver exclusivamente de vegetais, havendo muitas evidências históricas desse fato. Tanto é que a precursora da Vegetarian Society, fundada em 1843, se chamava The British and Foreign Society for the Promotion of Humanity and Abstinence from Animal Food (Sociedade Britânica e Estrangeira para a Promoção do Humanitarismo e Abstinência de Produtos de Origem Animal) e não Sociedade pela Abstinência de Carnes. Instituições que advogavam o vegetarianismo antes mesmo da criação da Vegetarian Society, como a Bible Christian Church e a Alcott House, já utilizavam o termo dentro desse conceito. Além disso, uma alteração de “Vegetable Diet” para “Vegetarian Diet” é um passo mais provável do que a busca por um radical na língua latina.

A confusão teve origem na própria Vegetarian Society do Reino Unido, por volta de 1888, quando seu presidente, J. B Mayor, preocupado com o pequeno número de associados à sociedade, quis redefinir o próprio termo, de modo a torná-lo mais abrangente. Professor de latim na Universidade de Cambridge, Mayor não teve dificuldade em associar “vegetarianism” a “vegetus”, dissociando-o de “vegetable”.

Embora muitos dos membros da sociedade tenham passivamente aceitado essa nova definição, muitos contestaram, havendo ocorrido uma cisão na sociedade, derivando daí uma sociedade independente baseada em Londres, que só voltou a se reunificar com a de Manchester em 1969.

Por que protovegetarianismo ?
O radical grego Proto, muitas vezes traduzido como “primeiro” ou “primordial”, é comum a muitas palavras presentes em línguas ocidentais e traz a ideia de algo rudimentar, ainda em formação.

Assim, proto-homem é um homem das cavernas, ainda não um Homo sapiens; protozoário é um organismo unicelular, o primeiro zoário, ainda não um animal; protocordado é um animal que apresenta notocorda em alguma fase de seu desenvolvimento, mas não em todas as fases de sua vida. Ainda não é um cordado; protogaláxia é a matéria amorfa da qual se formam as galáxias;

Protohistória é história muito antiga, não muito bem registrada; próton é a partícula que se acredita ter sido a primeira, a mais elementar.

Protovegetariano seria uma palavra bastante precisa para descrever alguém que ainda não é vegetariano, mas que adota um hábito alimentar que tende para isso. Com isso não se pode afirmar que todo protovegetariano será algum dia vegetariano, assim como nos exemplos acima o proto não se torna no algo que ele tende a ser.

De protovegetariano a vegetariano
Na maioria dos casos a adoção do vegetarianismo ocorre de forma gradual, onde o indivíduo abandona primeiramente o consumo de carne vermelha, em seguida abandonando a carne de aves e peixe e em seguida os ovos e os laticínios. Porém, nem todas as pessoas que rejeitam algum produto de origem animal se tornarão algum dia vegetarianas de fato.

A substituição de carne vermelha por carne branca ou de peixe pode estar relacionada a uma atitude de saúde, visto a crença difundida de que a carne branca é mais apropriada para o consumo humano do que a carne vermelha, ou ainda pode estar associada a uma concepção ética pouco sólida, onde os peixes e aves seriam considerados organismos menos sensíveis ou até mesmo “não-animais”, visto a menor presença de sangue ou de sinais externos que evidenciem sofrimento. Nesta lógica, animais não quadrúpedes seriam classificados como alimentos vegetarianos “puros”, o que justifica a auto-atribuição de vegetarianismo por pessoas que em verdade comem carne.

Há casos, também, onde o indivíduo abandona o consumo de todos os tipos de carne, “compensando” a falta de algum possível nutriente aumentando consideravelmente o consumo de ovos ou laticínios. Agindo dessa forma, esses indivíduos podem estar consumindo maior quantidade de produtos de origem animal do que consumiam antes, resultando em maior e não menor exploração animal. Assim, muitos protovegetarianos podem estar se afastando do caminho natural de transição ao vegetarianismo ao invés de estarem aproximando-se dele.

A abstenção de carnes é um passo importante, no entanto, não pode ser considerado um fim em si mesmo. Se esse passo não for seguido de tantos outros, que progressivamente levem à exclusão de outros produtos de origem animal, resultando em um vegetarianismo de fato, os propósitos de respeito aos direitos animais, de conquista de melhor saúde, de preservação do meio ambiente ou sejam quais forem não terão sido atingidos.

Os mesmos argumentos e base ideológica que levam um individuo a adotar o protovegetarianismo, se considerados de maneira séria, o levariam a adotar o vegetarianismo. O protovegetarianismo é, portanto, uma forma incompleta de fazer cumprir essas ideologias, e por isso não pode ser considerado senão que um passo em direção ao vegetarianismo verdadeiro.


O vegetarianismo verdadeiro
Apenas por meio do vegetarianismo verdadeiro uma pessoa sabe que realmente está adotando uma dieta compatível com seus valores éticos. Apenas o vegetarianismo permite se alinhar comportamento alimentar com crenças e valores relativos aos direitos animais.

Além disso, somente abstendo-se de todos os produtos de origem animal uma pessoa pode garantir que não estará causando impactos significativos ao meio ambiente, pois não apenas a pecuária de corte é responsável pelo desmatamento, pelo desvio de grãos para a alimentação de animais, pela poluição do meio ambiente com resíduos de criação animal, contaminação de recursos hídricos e efeito estufa, mas também a pecuária de leite e a criação de galinhas ditas poedeiras.

Um padrão dietético que comporte o consumo de leite e ovos é incompatível com a ideia de uma alimentação saudável, pois esses produtos, assim como a carne, também estão envolvidos com a maior incidência de diabetes, arteriosclerose, reumatismo, hipertensão, osteoporose, anemias, doenças cardíacas, doenças renais, doenças respiratórias, derrame, esclerose múltipla, alguns tipos de cânceres e obesidade.

O protovegetarianismo não traz os benefícios que seus defensores alegam, seu único benefício verdadeiro se encontra no fato de que ele é um primeiro passo em direção ao vegetarianismo.