Eliminar a carne do cardápio aumenta a longevidade? Esta pergunta vem sendo feita por leigos e cientistas há muitos anos. Enquanto há uma série de evidências que apontam para um “sim” como resposta, há muitas considerações a serem feitas antes que possamos afirmar isto com propriedade científica. Isto porque fatores não-dietéticos também afetam a longevidade e a qualidade de vida e com isso um estudo perfeitamente conclusivo ainda está distante de ser desenhado. No entanto, é vasta a quantidade de evidências, tanto históricas quanto científicas, que apontam no sentido de que a exclusão das carnes da dieta humana resulta em maior longevidade associada a uma melhora na qualidade de vida.
A observação de populações que vivem tradicionalmente com dietas compostas por pouca ou nenhuma carne nos traz boas referências de como uma dieta vegetariana pode aumentar a longevidade. Esse é o caso de populações rurais que vivem em áreas geograficamente isoladas que vão desde o Himalaia ao Equador, da Turquia à Rússia. Nessas populações, que adotam uma dieta com pouca ou nenhuma carne, a expectativa de vida ultrapassa facilmente a média de 70 anos atualmente observada nas populações ocidentais. Em contraste, outras populações rurais que apresentam um desenvolvimento tecnológico semelhante como é o caso dos esquimós e de outras comunidades na África, Groenlândia e Rússia apresentam uma expectativa de vida média de apenas 40 anos. Em todas estas podemos constatar um alto consumo de carnes.
A partir da observação de eventos históricos também é possível comprovar como a redução no consumo de carne afeta positivamente a saúde da população. As I e II Guerras Mundiais são um bom exemplo disto. Durante a I Guerra Mundial, cerca de três milhões de dinamarqueses foram forçados a eliminar quase que completamente a carne de suas dietas. O que se observou foi uma redução equivalente de 6.300 indivíduos por ano na taxa de mortalidade durante o período. Durante a II Guerra Mundial, foi a vez dos Noruegueses e Suecos serem colocados à prova. Durante a ocupação alemã que teve início em 1939, observou-se um declínio na taxa de mortalidade semelhante àquela constatada na Dinamarca durante a I Guerra Mundial. Com a normalização da oferta de alimentos a partir de 1943, as taxas de mortalidade retornaram às mesmas observadas antes do início da guerra.
A simples análise da composição das dietas onívora e vegetariana pode ajudar a explicar como a última promove maior longevidade. Entre os principais componentes das carnes encontramos a gordura, especialmente a do tipo saturada. Diversos estudos já relacionaram de maneira bastante direta o consumo excessivo de gordura saturada ao risco de desenvolver doenças cardiovasculares e o diabetes. Alem das gorduras, alguns compostos presentes nas carnes, como os nitratos e a amina heterocíclica, já foram citados como sendo fatores causais para o câncer e muitos estudos já relacionaram o consumo de carne vermelha à incidência de cânceres de cólon, próstata e mama.
Não é difícil estabelecer uma relação entre um peso corporal apropriado e um aumento na longevidade e qualidade de vida. A constatação de uma menor prevalência de obesidade entre a população vegetariana é clara e nada surpreendente, haja vista por exemplo que uma porção de carne pode conter até o dobro de calorias se comparada a uma porção de um substituto da carne (como o tofu ou uma porção de vegetais protéicos). Outro nutriente cuja redução na ingestão pode afetar positivamente a saúde dos vegetarianos é o ferro. Enquanto uma ingestão adequada deste mineral é desejada para a manutenção da saúde, uma ingestão excessiva de ferro pode ter o efeito inverso. Por ser um elemento altamente oxidativo, o ferro é um eficiente produtor de radicais livres, que são compostos relacionados ao processo de envelhecimento e à incidência de doenças cardiovasculares. A carne é especialmente rica no ferro heme, um tipo de ferro que é até 10 vezes mais bem absorvido do que o ferro encontrado nos vegetais, aumentando assim em muitas vezes o seu potencial nocivo quando consumido em excesso.
Os hormônios, antibióticos, pesticidas e metais pesados presentes nas carnes somam-se à lista de fatores que afetam negativamente a saúde e consequentemente a longevidade daqueles que a consomem. Completam a lista as doenças causadas pela ingestão de vírus, bactérias e parasitas, que vão desde as infecções alimentares causadas por E. coli e Salmonella, a gripes aviárias e doenças da vaca louca e cisticercose. As doenças causadas pela ingestão de carne contaminada, muitas delas fatais, podem ser evitadas ou severamente reduzidas quando a carne é excluída do cardápio.
Havendo visto um pouco sobre os mecanismos pelos quais a ingestão de carnes pode reduzir a expectativa de vida e tendo notado alguns exemplos históricos, resta-nos finalmente saber o que nos dizem os estudos científicos sobre o impacto que a dieta vegetariana tem na longevidade. Estudos importantes apontam com resultados bastante significativos em favor da dieta vegetariana. Em uma análise de 6 grandes estudos prospectivos realizados na Europa e nos EUA, totalizando mais de 109.000 pessoas, podemos notar que quase a totalidade deles demonstra uma redução na mortalidade entre os vegetarianos quando comparados aos seus semelhantes onívoros. Um estudo britânico conduzido com 11.000 pessoas aponta para uma redução de 20% nas causas de morte e alguns estudos estadunidenses mostram números semelhantes. Um estudo conduzido na Itália aponta para uma redução de 45% na mortalidade entre vegetarianos e um estudo alemão realizado com 1.904 pessoas aponta para uma redução de 47% na mortalidade para mulheres vegetarianas e 56% para homens. Estes dados atestam para o poder que têm as dietas vegetarianas como instrumento de redução do risco de doenças e o conseqüente aumento na longevidade e na qualidade de vida.
No campo científico, resta-nos ainda investigar qual é exatamente o aspecto que impacta tão positivamente a saúde das populações vegetarianas: seria o estilo de vida que muitas vezes vem agregado a esta opção alimentar, seria a exclusão das carnes da dieta, seria a inclusão de mais vegetais na dieta (quando tiramos as carnes do cardápio, damos lugar para mais vegetais que trazem consigo elementos protetores como fibras, antioxidantes e fitoquímicos) ou seria ainda uma combinação destas três possibilidades? Para quem já é vegetariano, ou para aqueles que desejam se aventurar por este mundo de descobertas tão diversas (filosóficas, sociais, culinárias), as respostas a estas perguntas não são de maior importância nesse momento. Pois independentemente do tempo que levaremos para poder apontar quais são exatamente os mecanismos pelos quais uma dieta vegetariana oferece maior proteção, as evidências científicas demonstram que, por uma diversidade de fatores, esta opção alimentar, quando praticada com critério, reduz significativamente a mortalidade e o risco de doenças, resultando em um aumento na longevidade e uma importante melhora na qualidade de vida.