Marc BEKOFF. A vida emocional dos animais. Cultrix, 207 páginas.
A obra do biólogo e etólogo Marc Bekoff, A vida emocional dos animais, publicada originalmente em 2007, recebeu tradução para o português em 2010 pela editora Cultrix. A importância dos estudos científicos de Bekoff, e em especial, essa obra, foi expressada da seguinte forma pelo filósofo Peter Singer:
“Marc Bekoff apresenta de modo brilhante a riqueza e variedade das emoções em animais não humanos e não hesita em tirar conclusões éticas com base nas suas descobertas. Espero que este livro seja lido por muitas pessoas que se importam com os animais e principalmente por aqueles que não se importam.”
E nas palavras da pensadora Mary Midgley:
“Marc Bekoff é um dos raros cientistas que realmente podem falar dos animais, porque ele está consciente de que ele próprio é um animal. Leia este livro maravilhoso.”
Composta por seis capítulos e um prólogo escrito pela primatologista Jane Goodall. Bekoff inicia seu prefácio, intitulado “A dádiva das emoções animais”, fazendo um convite ao fascinante mundo das emoções, paixões e virtudes dos animais, e ressalta a responsabilidade ética que temos a partir do momento que adquirimos conhecimento sobre a senciência que define os animais. Quanto mais aprendemos sobre a vida animal, mais responsabilidades temos.
No primeiro capítulo, sobre “Argumentos em defesa das emoções animais e a razão porque elas são importantes”, Bekoff aponta que as mais recentes e meticulosas pesquisas científicas estão a confirmar o que já sabíamos instintivamente; que os animais têm sentimentos, e as emoções são tão importantes para eles o quanto são para nós. E que a maneira como vemos, representamos e tratamos os animais deverá mudar devido o conhecimento que estamos adquirindo sobre as emoções nos animais. A ética é defendida como a base para a ciência e a definição das emoções parte da obra de Charles Darwin. A senciência é o fio condutor dos sentimentos e do conhecimento, do pensamento. Bekoff espera que os resultados dos estudos etológicos ajudem na mudança de paradigma; onde os humanos deixem de ser tratados como superiores às outras espécies, e cita como exemplo o fato dos peixes sentirem dor e medo, de serem astutos e oportunistas e de terem tradições culturais, assim como muitas outras espécies.
O segundo capítulo, “Etologia cognitiva: estudando a mente e o coração dos animais”, é dedicado à definição e os objetivos da Etologia Cognitiva. Bekoff a define como estudo comparativo, evolutivo e ecológico da mente dos animais; e, se concentra na maneira como os animais pensam, sentem, nas suas emoções, crenças, raciocínios, consciência e autoconsciência. Os etólogos cognitivos estudam os animais preferencialmente no seu ambiente natural. O inicio da Etologia Cognitiva é atribuído a Donald Griffin, em 1976, com a obra The Question of Animal Awareness. Mas é a Darwin, considerado o pioneiro nos estudos das emoções nos animais, que Bekoff dedica toda uma seção desse capítulo. Ao falar da importância da analogia na investigação evolucionaria, cita como exemplo as emoções em répteis e anfíbios.
Já no terceiro capítulo, o mais longo da obra, Bekoff disserta sobre as “Paixões animais: o que eles sentem”. De modo claro é apresentado à importância de saber que identificar emoções é diferente de entender o comportamento social dos animais. A partir de Darwin muitos pesquisadores interpretaram as emoções pela expressão facial, porém, ressalta Bekoff, em répteis, peixes e pássaros, que não apresentam um rosto expressivo, o estudo dos sentimentos pode ser mais difícil. Ao falar da importância do olhar, Bekoff relata sua experiência num laboratório de pesquisa para uma tese de doutorado onde se exigia que os gatos fossem mortos. A maneira penetrante e indagadora como o gato (chamado por ele de ‘Speedo’, apesar de proibido nomear os animais) olhou para o etólogo fez descer lagrimas em seus olhos e até hoje se arrepende de ter participado da pesquisa.
“Então abandonei o programa e entrei em outro em que dar nome aos animais não só era permitido como incentivado, e resolvi não conduzir experimentos que envolvessem intencionalmente infringir dor ou causar a morte de outro ser.”
Na sequência temos muitas páginas descritivas da alegria e brincadeiras em varias espécies, sobre senso de humor nos animais. Do assombro e deslumbramento, entramos no pesar e na tristeza; funeral, velório e luto. Depois o amor, amor romântico, amor materno, casamento e constrangimento. Da raiva, agressividade e desejo de vingança, Bekoff conclui com uma seção dedicada à seguinte questão: “Existem coités autistas e lobos bipolares?”.
O quarto capítulo trata de uma temática mais polêmica que o que foi descrito até o momento: a sensibilidade moral nos animais e que são os precursores do nosso comportamento moral. O capítulo tem como titulo: “Justiça, empatia e respeito às regras no mundo selvagem: a descoberta da honra entre animais”, e sua base é a observação das brincadeiras em carnívoros sociais. Segundo Bekoff, a brincadeira entre os animais parece se valer da regra de ouro, uma máxima universal humana que diz fazer ao outro somente aquilo que queira que façam a você. Regra que exige empatia e reciprocidade. Após distinguir moral de ética e definir “senso de justiça”, quase todo o capítulo é dedicado a descrição das brincadeiras. Por fim o autor propõe outra mudança de paradigma, onde a sobrevivência depende da cooperação e não da competição, e encerra o capítulo indagando, “existe uma moralidade universal?”. Para Bekoff, acreditar que somos os únicos indivíduos morais no reino animal é fruto de uma discriminação antropocêntrica intolerante e egoísta. O etólogo mostra que a lealdade, cooperação, altruísmo, senso de justiça e injustiça, perdão, ou seja, a moralidade e a virtude são mais antigos do que nossa própria espécie e não vieram de um épico evolucionário que começou com os seres humanos.
A partir da seguinte citação do primatólogo Frans de Waal, “Às vezes eu leio sobre alguém dizendo com grande autoridade que os animais não têm intenções nem sentimentos, e eu me pergunto, ‘será que esse sujeito não tem cachorro?'”, Bekoff inicia seu quinto capítulo. Chama-se “Perguntas difíceis: respondendo aos céticos e discorrendo sobre a incerteza na ciência”. O tema central do capítulo é o antropomorfismo. Porém não para criticá-lo como de costume na ciência tradicional cartesiana, Bekoff fará uma defesa. É mais que sabido que os cientistas tradicionais não aceitam que se atribua emoções aos animais nem que chamemos por nomes.
Em resposta Bekoff diz:
“Todos nós reconhecemos e aceitamos que os animais e os seres humanos têm muitos traços em comum, inclusive as emoções. Portanto, não estamos inserindo algo humano nos animais, mas identificando atributos comuns e depois utilizando a linguagem humana para comunicar o que observamos. Quando antropomorfizamos, estamos fazendo algo natural e não devemos nos castigar por isso. Faz parte de quem nós somos.”
Por fim, o sexto capítulo é sobre o que faremos com o conhecimento adquirido sobre as emoções nos animais. Trata-se de “escolhas éticas: o que fazemos com o que sabemos”. Bekoff inicia com uma mensagem forte, dizendo que temos o costume de tratar a senciência com desdém e silêncio. E ressalta que é a senciência o critério principal para que cuidemos melhor dos animais e, pede para que nos voltemos para ética com E maiúsculo, no modo como Sócrates a fazia, ou seja, no sentido de “como devemos viver”. Uma avaliação critica de quem somos, do que fazemos e do que queremos ser.
A partir do critério da senciência, o etólogo, analisa os laboratórios que usam animais para testes. Assim como a situação dos animais criados para o abate, e indica como solução para esse problema a dieta vegetariana. “Decidi me tornar vegetariano apenas por razões éticas. Eu não queria fazer parte da cadeia de tratamento desumano que massacra seres sencientes.”
Bekoff disserta por algumas páginas sobre o que os animais passam nos zoológicos. Critica a falsa dicotomia entre “nós” (seres humanos e “eles” (os outros animais) e diz que “somos todos simplesmente “nós”. Enquanto não soubermos muito bem como influenciamos a vida de outros animais, deveríamos dar a eles o beneficio da duvida e tomar o partido dos animais.” E ao concluir falando de nossas escolhas pessoais e, nossa responsabilidade pessoal, retoma sua frase prefacial: “As emoções são as dádivas dos nossos ancestrais. Nós as temos e os animais também as têm. Não podemos jamais nos esquecer disso.”
A obra de Marc Bekoff é mais que necessária. Para qualquer pessoa que tenha interesse em conhecer como nós, animais, seres dotados de senciência precisamos fazer uso dela para entender e respeitar a mesma que se encontra nas outras espécies. Leitura obrigatória para defensores dos animais e para especistas notórios. Um verdadeiro tratado sobre senciência e responsabilidade ética. Com sua obra, Bekoff dá um grande passo para o que ele objetiva, a mudança de paradigma no modo como vemos e lidamos com as outras espécies.